3.5.17

ALUCINAÇÃO É UM CHUTE À SOCIEDADE MODERNA


Se prestarmos atenção na letra de Alucinação, de Belchior, não teremos dificuldades de entender o porquê que ele passou todo esse tempo sumido e recluso. O amor o fez desaparecer.

Alucinação dá nome ao disco homônimo que foi lançado em 1976, meados de uma Ditadura Militar. Até a capa do disco ontenta letras pintadas com sangue.

Enquanto Caetano disfarçava seu incômodo em Divino e Maravilhoso culminando no refrão: "É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte"; enquanto o Brasil descortinava as filosofias do Oriente e as literaturas do metafísico, além das jornadas alucinóginas, Antonio Carlos suportava as agruras do dia a dia e as experiências com coisas reais...

Daí pra frente, na letra, ele promove uma verdadeira crônica daquilo que vivenciava na cidade grande: um preto, um pobre, uma estudante, uma mulher sozinha... E assim, ele faz uma aliança proposital entre o preto e o pobre, entre a estudante e a mulher sozinha, numa clara alusão ao racismo e à misoginia, que sempre estiveram incrustados na alma dos brasileiros.

Pessoas cinzas normais (sem cor, sem vida, mas dentro de uma normalidade patológica). Garotas dentro da noite e a ação brutal e despreparada dos policiais (desde aquela época) no revólver e no cheira cachorro...

E o velho e eterno desemprego tomando conta das praças de uma cidade grande: e os humilhados do parque com os seus jornais...

Vai além e critica o modus vivendi ilusório das metrópoles: carneiro (povo em modo carneirinho e subserviente, pobre de direita que aplaude o capitalismo promovido pela Casagrande e a Senzala), mesa, trabalho, meu corpo que cai do oitavo andar (numa tentativa de suicídio e fuga deste sistema) e a solidão das pessoas dessas capitais...

Fala da violência da noite, reclama do tráfego ensandecido e elogia a manifestação feliz da homossexualidade tão reprimida.

Traça a adolecência do momento e termina numa clara alusão ao filme "Laranja Mecânica", de Stanley Kubrick, que critica veeementemente a loucura da sociedade moderna.

E encerra com uma chave de ouro, a mesma chave que o libertou para fora desse mundo cruel e que o levou a desaparacer de uma sociedade doente: Amar e mudar as coisas me interessa mais.

Antonio Carlos, você amou muito, mas infelizmente você viveu até aqui para perceber que não conseguiu mudar as coisas...

Alucinação
Belchior

Eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Em nenhuma fantasia
Nem no algo mais
Nem em tinta pro meu rosto
Ou oba oba, ou melodia
Para acompanhar bocejos
Sonhos matinais

Eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Nem nessas coisas do oriente
Romances astrais
A minha alucinação
É suportar o dia-a-dia
E meu delírio
É a experiência
Com coisas reais

Um preto, um pobre
Uma estudante
Uma mulher sozinha
Blue jeans e motocicletas
Pessoas cinzas normais
Garotas dentro da noite
Revólver: cheira cachorro
Os humilhados do parque
Com os seus jornais

Carneiros, mesa, trabalho
Meu corpo que cai do oitavo andar
E a solidão das pessoas
Dessas capitais
A violência da noite
O movimento do tráfego
Um rapaz delicado e alegre
Que canta e requebra
É demais!

Cravos, espinhas no rosto
Rock, Hot Dog
"Play it cool, Baby"
Doze Jovens Coloridos
Dois Policiais
Cumprindo o seu duro dever
E defendendo o seu amor
E nossa vida
Cumprindo o seu duro dever
E defendendo o seu amor
E nossa vida

Mas eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Em nenhuma fantasia
Nem no algo mais
Longe o profeta do terror
Que a laranja mecânica anuncia
Amar e mudar as coisas
Me interessa mais
Amar e mudar as coisas
Amar e mudar as coisas
Me interessa mais


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